Ramon Hamu (*1916 - +2017)


O grande herói da minha vida foi meu pai. Mas meu tio Ramon tinha lugar garantido na Liga dos Super Heróis familiares. 


O casamento de Herminia e Ramon
Ramon Hamu, de origem síria, nasceu na Argentina. Antes dos 5 anos ficou completamente cego por causa de uma meningite. Minha tia Herminia (prima da minha mãe) se apaixonou por ele. Casaram-se e tiveram 3 filhos, Zamir, Zuleide e Zilder. Antes que qualquer pessoa tivesse a possibilidade de pensar que ele não daria conta de sustentar a família, o Ramon já era um grande profissional da fisioterapia, atendendo em seu consultório particular. Foi também massagista do São Paulo Futebol Clube, e num dia inesquecível levou o sobrinho palmeirense aqui para conhecer os segredos do estádio do Morumbi. Era ainda o encarregado de tratar dos atletas internacionais que competiam na São Silvestre.

Com tudo isso, meu tio "ceguinho" se tornou o membro mais bem sucedido da família. Comprou uma enorme casa no bairro do Cambuci. Era lá que minha família inteira passava o Natal. Até hoje quando o meu inconsciente resolve me jogar na zona de conforto, eu sonho que vai haver outra grande festa de Natal na casa do Ramon.

Era um ouvinte compulsivo de radio e estava por dentro de qualquer assunto. Sempre teve bom senso e sabedoria em suas opiniões. Era o cara para se conversar. Quando resolvia sair à rua, se transformava no Demolidor. Jamais usou bengala. A única marca de sua deficiência era seu óculos Rayban. Andava com firmeza, rapidamente, usando de truques e amigos taxistas para se movimentar pela cidade. Eventualmente saía de casa sem avisar ninguém. E voltava inteiro.

Dono de muita saúde, aparentava ter muito menos idade do que tinha. Mas foi se tornando um homem difícil, frustrado pelas naturais limitações ao seu espírito livre. Isso não atrapalhava em nada seus rápidos passos pelas longas escadarias de sua casa. Nosso último encontro aconteceu há alguns meses. O Ramon estava especialmente lúcido e perguntou de todo mundo da familia. Seu tom de voz estava diferente, conformado. Ele sabia que chega um momento em que nada mais faz sentido.

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